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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A teoria do espelho e o jornalismo de entretenimento feito na web



Por Marcelo Rebelo

Defendida por muitos, a Teoria do Espelho traduz a ideia da fotografia e sua reprodutibilidade técnica, ou seja, o jornalista é um observador desinteressado, que retrata fielmente a realidade. Nesse momento de frenesi midiático por qual o mundo vive, ela cai como luva para o jornalismo de entretenimento, sobretudo o praticado na web, que está no chão por refletir com perfeição em seus textos a mediocridade pela qual passa a indústria do entretenimento mundial. 

Com a globalização e a instantaneidade da informação promovida pela internet e incrementada com as redes sociais, o modelo cultural mundial passou a ser o norte-americano, incentivador do consumismo, um prazer almejado mundialmente. Assim, o jornalismo de entretenimento praticado por lá - de culto às celebridades, de incentivo à indústria milionária dos paparazzi e de imposição a padrões de beleza absurdos - é hoje macaqueado em todo o globo. 

Entretanto, não precisamos continuar com o nosso complexo de vira-latas - como se referia Nelson Rodrigues ao sentimento tupiniquim de inferioridade aos europeus e aos norte-americanos - pois estamos em condição de competir cabeça a cabeça com os gringos no quesito como produzir um jornalismo de entretenimento de péssima qualidade. 

Basta uma navegada superficial nos três principais portais do país (UOL, Terra e G1) para comprovar o baixo nível do jornalismo de entretenimento praticado aqui. As manchetes fazem rir de tão risíveis e o conteúdo chega mesmo a assustar. "Luana Piovani chama Carolina Dieckman de tronquinho", "Grazi faz ensaio sensual e diz que usava enchimento", "Top Izabel Goulart curte folga patinando toda equipada" e outras pérolas. E a coisa segue ruim. 

O imbróglio causado por uma piada grosseira dita por Rafinha Bastos para Wanessa Camargo virou um espetáculo à parte e, após quase três semanas, o fato ainda reverbera na mídia e nas redes sociais. A surreal manchete do site F5, canal de entretenimento da Folha, "Feto de Wanessa é autor de processo contra Rafinha Bastos", foi uma verdadeira aula de jornalismo em como se criar um Fait Diver. 

E a expressão "aquilo que está ruim pode piorar" é levada à risca com o fim do diploma para o exercício da profissão. Ao invés de profissionais, veem-se aspirantes a celebridades atuando como repórteres, principalmente na TV. As entrevistas e matérias realizadas são puro nonsense, com as celebridades sentindo-se à vontade para trocar beijinhos, falar da dieta, negar boatos, divulgar trabalhos, gargalhar, reclamar dos paparazzi, enfim, uma festa entre amigos. 

O curioso nessa relação é que a fronteira entre fonte e repórter, base para a isenção e um dos pilares para a produção de um texto jornalístico de qualidade, simplesmente não existe. O professor e pesquisador Nilson Lage, ensina que é tarefa comum dos repórteres selecionar e questionar suas fontes, colher dados e depoimentos, situá-los em algum contexto e processá-los segundo as técnicas jornalísticas. Assim, técnica e teoria são ignoradas e conceitos díspares como jornalismo e assessoria de imprensa fundem-se.

Acredito que, além da globalização, um dos principais motivos para o declínio da qualidade do jornalismo de entretenimento esteja na facilidade e baixo custo de produção das notícias propiciadas pelo meio virtual. Hoje, meia hora após uma celebridade ser fotografada numa situação qualquer, já existe uma nota num site. Nesse processo tem-se a clara impressão de que a teoria do gatekeping, importante por exercer um filtro na qualidade informacional, parece não ter mais valor, pois com a inexistência de limites espaciais e custo quase zero para publicação de textos na web, sobra espaço para tudo. Desse modo, a qualidade informacional cede lugar ao fugaz e ao descartável, pressionada pela rapidez e pela instantaneidade com que a informação é obrigada a circular na web. 

O lamentável é que profissionais com prática e vasta bagagem cultural, aptos a produzir um jornalismo de entretenimento de qualidade veem sua área de atuação cada vez mais reduzida. A crítica literária, teatral, cinematográfica e musical que exige anos de estudo e preparação foi relegada a cadernos e matérias especiais nos meios impressos e sumariamente substituída pela resenha nos sites. 

Acredito que o empobrecimento do jornalismo de entretenimento é um caminho sem volta, pois enquanto houver público disposto a consumir esse tipo de assunto mais material com esse cunho será produzido. Nem mesmo o Código de Ética dos Jornalistas pode ajudar a reverter essa situação, pois o inciso II, do artigo 6º, diz que "é dever do jornalista divulgar os fatos e as informações de interesse público", e como o interesse do público tem se voltado para o que está no fundo do fosso, acostumemo-nos com o ruim, então.

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